Estamos a assistir a uma barbárie que seria difícil imaginar ser possível na nossa era – a brutal ocupação de um país inocente por uma potência agressora.

Apesar da surpreendente e valorosa capacidade de resistência do povo ucraniano, este drama está a causar uma gigantesca onda de refugiados.

A nossa solidariedade está a ser posta à prova e temos que mostrar que a humanidade não está perdida e que vamos receber os nossos irmãos tentando atenuar o seu enorme sofrimento.

As regras de civilidade estipulam que quem visita ou se instala num lugar deve respeitar e seguir os costumes locais. No entanto é também desejável que quem recebe tenha conhecimentos elementares da cultura dos visitantes num esforço de aproximação cultural proporcionando assim uma melhor integração.

Antecedentes históricos

A cultura ucraniana resulta da fusão de várias culturas fruto da vivência sob o reinado de diferentes forças políticas durante centenas de anos.

Os ucranianos são de origem eslava e cerca de 75% da população é de etnia ucraniana. O maior grupo minoritário são os russos, com cerca de 20%. Bielorrussos, búlgaros, polacos, húngaros e romenos constituem os outros grandes grupos minoritários.

A Ucrânia tem um historial de sofrimento pouco comum. Serviu de campo de batalha na I Guerra e foi ocupada pela Alemanha de Hitler na II Guerra, tendo visto morrer milhões dos seus habitantes, muitos deles judeus. Absorvida desde 1920 pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), viveu sob a brutal ditadura comunista que matou milhões de pessoas, tendo o Holodomor sido apenas um dos muitos episódios do terror comunista. Em 1991, após a derrocada da União Soviética foi declarada a sua independência.

 

Sociedade ucraniana

Cerca de 40% da população da Ucrânia considera-se ateia. Dos que professam alguma forma de religião, 37% pertencem a uma das três principais denominações ortodoxas presentes no país. Há também um número significativo e crescente de judeus, protestantes e muçulmanos.

Num país onde a vida quotidiana é muitas vezes imprevisível e instável, os ucranianos aprenderam a adaptar-se a regras e leis em constante mudança. As influências da Igreja Ortodoxa Russa, uma longa história de tempos turbulentos e condições climáticas adversas produzem uma abordagem bastante fatalista em relação à vida.

Apesar do grande número que se descreve a si próprio como ateu, os ucranianos são bastante supersticiosos.

No que ao sistema de trabalho concerne, na época da ditadura comunista, existiam unidades de trabalho em que se fazia crer que os trabalhadores desenvolveriam a sua actividade no interesse colectivo. No entanto, isso nunca aconteceu tendo levado à apatia e ao cinismo entre os trabalhadores. Ainda são evidentes os efeitos entre parte das gerações mais velhas, o que resulta em falta de motivação. No entanto as gerações mais jovens apresentam-se com energia para enfrentar os desafios e as oportunidades.

Os ucranianos podem ser reservados nos primeiros contactos, mas posteriormente é fácil perceber a sua simpatia. São um povo optimista que olha para o melhor lado das coisas como atesta o provérbio ucraniano “as coisas vão-se compor de alguma forma” que revela uma visão tranquilizadora do futuro.

Os ucranianos são muito leais e dedicam-se afincadamente a quem estão ligados.

A hospitalidade ucraniana ficou perpetuada na frase “Louvado seja o convidado, não importa de onde ele veio”, proferida por Volodymyr Monomakh (1053–1125), príncipe de Kiev, na sua famosa obra “Tutorial para crianças”.

Tradicionalmente quando os ucranianos visitavam alguém, faziam-se sempre acompanhar de presentes simples, como pão e vodka para os anfitriões, em sinal de respeito. Ao entrar na casa, os visitantes deviam descobrir a cabeça e apresentar-se com um generoso sorriso.

Os proprietários da casa, por sua vez, tudo faziam para agradar aos hóspedes perdurando até ao século XIX o costume da anfitriã lhes lavar os pés.

Havia sempre um pedaço de pão fresco e uma pitada de sal na mesa e não se questionava os visitantes sobre a razão da visita sem que estes se alimentassem primeiro.

Esta generosidade e hospitalidade permanecem até aos dias de hoje sendo sempre oferecido algo para comer e para beber.  Na Ucrânia, comer na frente de outra pessoa sem oferecer é considerado muito rude.

Receber em casa é muito comum, mesmo a pessoas que acabou de se conhecer.

Um jantar principal a meio da tarde, servido em dois pratos, é a maior das refeições do dia. Os hóspedes tiram frequentemente os sapatos ao entrar na casa.

Em celebrações como o Natal ortodoxo, aniversários e os “dias do nome” (data de nascimento do santo que deu o nome a alguém) que são também celebrados por alguns em vez dos aniversários, há troca de presentes com a família e amigos próximos.

As prendas não precisam ser de grande valor porque é o acto de dar o presente que é valorizado, uma vez que simboliza a amizade.

No caso de oferta de flores, estas não devem ser amarelas nem em número par.

Geralmente os presentes não são abertos no momento em que são recebidos.

A maioria das celebrações, especialmente feriados como o Ano Novo, são organizados em casa. Cada convidado contribui com algo enquanto o anfitrião fornece os pratos principais. Levar uma garrafa de vinho ou de champanhe é considerado de bom gosto.

Se alguém for convidado para uma celebração, espera-se que beba juntamente com todos, mesmo uma pequena quantidade como gesto simbólico. A abstenção pode ser considerada desrespeitosa, especialmente se o anfitrião não conhecer a razão. Não pretendendo beber é preferível arranjar uma razão de saúde como desculpa.

Com grande tradição na Ucrânia os brindes fazem parte de qualquer celebração, diferindo de região para região. Um brinde comum é “za vashe zdorovya”, que significa “à sua saúde”.

Por norma brinda-se sempre que três ou mais pessoas partilham uma refeição.

O anfitrião é quem toma a iniciativa e faz o primeiro brinde, geralmente ao convidado de honra, que pode devolver o brinde mais tarde na refeição.

A maioria dos brindes são feitos com vodka. Não é necessário beber a totalidade, mas deve-se tomar pelo menos um gole.

Não tendo uma bebida alcoólica no copo não devem tocar-se os copos.

No que diz respeito ao relacionamento entre mulheres e homens, apesar das novas gerações adoptarem já uma postura diferente, subsistem ainda na sociedade ucraniana algumas características patriarcais.

As mulheres ucranianas modernas têm uma acividade profissional semelhante à dos homens, mas muitas vezes têm de gerir também as tarefas domésticas. Estas últimas são normalmente realizadas de forma voluntariosa, mas a tentativa de as impelir pode ser rejeitada com veemência.

As relações entre mulheres e homens podem ser bastante formais e em determinados meios não é facilmente entendido que possa existir apenas amizade.

Os homens ucranianos tendem a tratar as mulheres sem grande ardor, e muitos sinais de atenção por parte de um estrangeiro podem ser incomuns e confusos para uma mulher ucraniana.

Ao contrário dos homens as mulheres são normalmente mais retraídas e podem por vezes não saber como rejeitar uma pessoa não desejada. Dificilmente convidam homens para sair, mesmo que realmente o queiram fazer. Os primeiros encontros são normalmente em lugares calmos como parques, cinemas e clubes.

Uma relação pode ser considerada séria após um tempo relativamente curto. Entre ucranianos, as relações sexuais envolvem um conceito de comprometimento superior ao que é tido entre ocidentais.

Apesar do que atrás foi referido, os homens ucranianos procuram ser educados e corteses com as mulheres. É habitual que cedam os seus lugares às mulheres no transporte, especialmente e necessariamente se a mulher estiver grávida ou com uma criança. Frequentemente são os homens quem transporta os objectos volumosos ou pesados.

Em diversas circunstâncias pode acontecer que estranhos se disponibilizem para ajudar as mulheres que carregam volumes, por exemplo em estações ferroviárias ou aeroportos, não tendo normalmente qualquer interesse oculto.

Ajudar as mulheres a vestir ou despir casacos, segurar nas cadeiras ao sentar e levantar ou acender os seus cigarros se fumarem são gestos comuns entre os homens ucranianos.

O hábito do homem pagar a refeição num encontro subsiste não sendo comum a divisão da conta.

Os idosos sendo muito respeitados na Ucrânia são também alvo de especial atenção. Ceder-lhes a passagem ou os lugares em transportes públicos, ajudar a entrar e a sair de veículos ou carregar-lhes objectos são gestos comuns entre ucranianos.

Quanto à forma de saudar e cumprimentar, o aperto de mão é a forma comum em situações de maior formalidade ou em âmbito profissional. Entre homens o aperto de mão é firme. Entre mulheres cumprimentam-se com beijo na cara, três beijos a começar pela face esquerda no caso de serem amigas. Entre mulheres e homens usa-se o beijo ou, se não houver intimidade, apenas um aceno de mão.

Apesar da proximidade durante as conversas, o contacto físico é evitado, especialmente quando não exista familiaridade. O contacto visual directo é a norma e pode ser “suspeito” evitá-lo, mas é considerado rude olhar intensamente para alguém.

Os nomes ucranianos são compostos da seguinte forma:

– Primeiro nome (nome próprio)

– Nome médio (patronímico ou uma versão do primeiro nome do pai formado pela adição de “vich” ou “ovich” para homem “avna”, “ovna”, ou “ivna” para mulher – o filho de Alexi teria um patronímico de Alexivich enquanto o patronímico da filha seria Alexivina)

– Sobrenome (nome de família ou apelido).

Em situações formais usam-se os três nomes.

Amigos e conhecidos tratam-se pelo primeiro nome e patronímico.

Títulos académicos e profissionais, mais adequados em meio profissional, são normalmente usados com o apelido, mas não no caso de se usar o nome completo, incluindo o patronímico.

Em conversa alguns ucranianos podem tornear um tema, especialmente se for difícil ou desconfortável. Podem até evitá-lo ainda que haja necessidade de o dar a conhecer.

Os ucranianos podem ser directos, e um rápido “não” é frequentemente a primeira resposta a uma proposta. Embora o façam com frequência, não impede a continuidade da conversa ou a sugestão em causa, porque o “não” raramente significa não e presumem que não seja entendido como tal. A título de exemplo, em eventos existe o hábito de recusar uma oferta de comida ou bebida, mas esperam que se insista na oferta para que, em seguida, a possam aceitar.

À semelhança do que se passa em Portugal, a pontualidade não é uma grande preocupação entre os ucranianos o que pode por vezes causar esperas. É aconselhável reforçar a importância do cumprimento dos horários sempre que a situação o exige.

Gestos que os ucranianos evitam por serem considerados grosseiros:

– Falar alto. Pode acontecer em situação extrema, num qualquer diferendo. Durante a ditadura comunista não eram aconselhados quaisquer comportamentos que pudessem atrair a atenção dos outros. Uma pessoa barulhenta pode ainda ser alvo de alguma hostilidade, especialmente em meios pequenos.

– Falar com as mãos a abanar.

– Mascar ou falar com as mãos nos bolsos na presença de uma pessoa mais velha ou de grande respeito.

– Sentar em público de pernas abertas ou cruzadas.

– Andar e sentar na relva de lugares públicos, especialmente onde crescem flores.

– Sentar no chão ou em escadas.

– Passar de costas para as restantes pessoas numa fila do teatro ao dirigir para o lugar.

– Apontar com o indicador, deve ser feito com toda a mão aberta.

– À mesa, recusar um prato.

– Servir vinho de costas para a pessoa.

– Deixar uma garrafa aberta sem ser terminada.

– Deixar garrafas vazias em cima da mesa.

À semelhança do que acontece noutras partes do mundo, os ucranianos possuem alguns gestos para transmitir determinadas mensagens.

O gesto de colocar junto do pescoço uma mão em punho com o polegar e indicador formando um círculo e fazendo movimentos do indicador na direcção do pescoço é uma forma de dizer ao visado que está embriagado.

O movimento de vaivém de uma mão aberta colocada na zona do pescoço dirigido a alguém tem o significado de “basta” ou “chega”.

O dedo mindinho levantado indica que alguém é muito magro.

Colocar o polegar entre o dedo médio e o indicador com a mão em punho (figas) pode ser considerado obsceno, o equivalente ao “dedo do meio”. Embora não seja muito frequente o seu uso pode por vezes querer passar a mensagem a alguém de que nada conseguirá.

Um patriotismo exemplar e um forte sentido de pertença à Europa faz os ucranianos demarcarem-se dos russos e da sua influência.

 

Aqui ficou uma breve abordagem dos costumes culturais da Ucrânia de forma a que possamos tentar minorar os efeitos da compreensível desestruturação que possam padecer os refugiados que iremos acolher.

Manuel Pereira de Melo

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