Há alguns dias atrás, em Santa Comba Dão, tive um feliz reencontro com amigos especiais que há muito não via.
O tempo parece não ter abalado os laços que nos unem e que reportam a amizades dos tempos dos nossos avós. Essa amizade permitiu que, nessa época, lhes tivéssemos comprado uma parte do que é hoje a nossa vinha.
Partilhámos momentos muito especiais, os Setembros, os Natais e as Páscoas da nossa juventude, passados de forma feliz na terra que juntava umas dezenas de jovens de famílias amigas, uns vindos de Lisboa, outros de Coimbra e nós, do Porto.
O tempo e os reencontros trazem boas memórias, mas trazem também notícias menos agradáveis. De entre elas a de que os meus amigos pretendem vender o bonito solar que outrora nos premiou com belos momentos.
Seguramente aquela casa daria um excelente hotel de charme preenchendo assim a falta de equipamentos hoteleiros, para quem pretende visitar esta zona de muitos encantos.
Revisitando o solar, mostraram-me na cave um armário de que não havia memória, por se encontrar num lugar recôndito.
Ali, estavam umas dezenas de garrafas todas lacradas. A cor muito escura das garrafas mal deixava perceber que a larga maioria seria de vinhos brancos. A confirmação foi-nos dada pelos rótulos que ostentavam também indicações de lugares bem nossos conhecidos e as datas das respectivas colheitas, a mais recente de 1936 e a mais antiga, de 1912.
Convictos de que pela sua antiguidade aqueles vinhos não estariam em condições de serem consumidos, pediram-me a opinião sobre o destino a dar-lhes e sugeriram-me levar algumas garrafas.
De volta à Quinta, contactei a nossa enóloga, Patrícia Santos, que de imediato foi ao meu encontro.
Das diversas garrafas elegemos duas colheitas para provar, retirando o lacre aos de 1912 e 1923. Com todo o cuidado iniciámos o processo de retirada das rolhas que admiravelmente não se desfizeram. Ainda assim, as expectativas não eram muitas.
Servidos os copos, ficámos perplexos com as cores e limpidez dos vinhos. O de 1912 evidenciava um amarelo dourado e o de 1923 revelava-se de amarelo palha.
Ao fazer rodar o vinho no copo, ficava bem marcado o anel a partir do qual caiam as “lágrimas” revelando ainda uma boa concentração alcoólica.
Os aromas revelavam alguma evolução, muito menor do que seria expectável, e uma acidez admirável.
Na boca, a surpresa foi total. Os vinhos revelaram-se notavelmente estruturados e encorpados, sem sinais de evolução.
Surpreendentemente a colheita de 1912 apresentava-se com mais frescura do que a de 1923.
Em prova cega, poder-se-ia dizer que o vinho da colheita de 1912 teria no máximo 15 anos e o de 1923, aproximadamente 20 anos.
Os dois vinhos apresentavam características muito similares de terroir havendo grande probabilidade de serem provenientes das mesmas castas.
Nós, e todos a quem demos a provar estes vinhos sublimes, vivemos emoções que são difíceis de narrar. Tratou-se de um absoluto deleite.
Estes extraordinários vinhos e a sua invulgar longevidade vêm certificar a singularidade destes lugares para a produção de vinhos raros e de excelência e dão-nos alento para continuar a cumprir a génese do nosso projecto Primado.
Manuel Pereira de Melo