Embora tenha nascido no Porto, passava muito tempo em Santa Comba Dão na quinta de uns tios-avós a quem éramos muito chegados. Tratavam-se de pessoas muito especiais, possuidores de princípios morais absolutamente excepcionais. Detinham uma cultura invulgar, o que deleitava quem com eles convivia e eram de uma imensa e desinteressada generosidade para com todos, fossem funcionários, seus familiares ou quaisquer outras pessoas que dela necessitassem. Toda a gente era bem-vinda àquela casa e por isso mantinham uma porta aberta que dava acesso a uma sala onde sempre havia chá e bolos para as frequentes visitas. Tiveram enorme influência no meu carácter e se me posso orgulhar de ter tido uma educação acurada a eles muito devo.
Para além das características já descritas, o meu tio homónimo era detentor de uma rara modéstia. Só muito tarde a família veio a saber que era ele o poeta que sublimemente escrevia de forma anónima para um jornal.
Presidente da Câmara Municipal de Santa Comba Dão nas décadas de 50/60 onde deixou obra vastíssima, foi uma incontestada referência de integridade tendo pautado toda a sua actuação pelos mais altos valores da ética. Durante o tempo que liderou a autarquia era, invariavelmente, o primeiro a chegar e o último a sair. Apesar de sempre chegar cedo, não o fazia sem antes ter compartilhado o pequeno almoço com o pessoal que ficaria a trabalhar na quinta. Apesar de ser madrugada e eu ainda muito jovem, começou a levar-me consigo para estes momentos que eram de verdadeira confraternização com os funcionários. Entretanto acompanhava o pessoal aos seus postos enquanto transmitia as tarefas para o dia que incluíam o trabalho na vinha. Sempre que a oportunidade permitia, envolvia-me nas tarefas. Assim foram os meus primeiros contactos com a realidade da agricultura e da viticultura.
Em casa, às refeições, era garantido que não faltava vinho de qualidade. O tio Manuel nunca bebia mais do que dois copos mal servidos. Já naquele tempo, décadas antes dos estudos que viriam a comprovar os benefícios do vinho, o tio fazia a apologia das vantagens para a saúde de se consumir vinho de forma moderada. Quando completei dezasseis anos, sugeriu-me que começasse a beber pequenas quantidades em dias de reunião familiar.
A minha iniciação no mundo do vinho não poderia ter tido melhor patrono e provavelmente devo ao senhor meu tio o ensejo de me ter tornado produtor num projecto tão especial como é o Primado!
Manuel Pereira de Melo
